Por Michel Luis Müller, Gerente Comercial da Way2 Technology | 9 junho, 2025 | 0
MP nº 1.300/2025: Transformação Estrutural do Setor Elétrico Brasileiro
A publicação da Medida Provisória nº 1.300, de 21 de maio de 2025, marca um dos momentos mais relevantes da trajetória regulatória do setor elétrico brasileiro desde a promulgação do Novo Modelo do Setor Elétrico em 2004.

Assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a MP visa reformular elementos centrais das regras de comercialização, contratação e tarifação da energia elétrica no país. Com uma proposta abrangente, a MP altera nove leis estruturantes e traz inovações como a abertura do mercado para baixa tensão, criação do Supridor de Última Instância (SUI) e revisão dos subsídios tarifários.
Seu texto atende a demandas históricas por maior competitividade, transparência e eficiência econômica no fornecimento de energia elétrica, e busca corrigir distorções acumuladas por subsídios tarifários e práticas de autoprodução com viés especulativo.
Contexto Político-Regulatório
A tramitação da MP nº 1.300/2025 não ocorre em um vácuo regulatório. Seu conteúdo é fruto de um debate técnico que se intensificou a partir de 2019, com a crescente mobilização em torno da modernização do setor elétrico. Documentos-chave como o Projeto de Lei nº 414/2021, diversas Consultas Públicas do MME e da ANEEL, e a atuação de associações setoriais moldaram um consenso em torno da necessidade de abrir o mercado de energia elétrica para todos os consumidores, revisar o sistema de subsídios tarifários, aprimorar a governança e transparência da comercialização de energia e corrigir desequilíbrios associados à proliferação de estruturas artificiais de autoprodução.
Linha do Tempo de Implementação e Cronograma
1. Vigência imediata (21/05/2025)
- Entrada em vigor da MP com força de lei.
- Dispositivos passam a ter validade jurídica, ainda que, para muitos, a eficácia dependa de regulamentação infralegal.
2. Tramitação no Congresso (até 18/09/2025)
- Prazo constitucional de 120 dias para conversão da MP em lei ordinária.
- Durante este período, o texto poderá ser:
- Aprovado integralmente;
- Modificado por emendas parlamentares;
- Rejeitado (caducar).
3. Regulamentação do SUI (até 01/02/2026)
- ANEEL e MME deverão editar regulamentos para:
- Definir critérios para atuação do SUI;
- Estabelecer regras de rateio de custos;
- Determinar parâmetros operacionais e de interoperabilidade com CCEE e agentes.
4. Separação contratual e contábil entre fio e energia (até 01/07/2026)
- Distribuidoras deverão promover:
- Separação contábil: custos e receitas das atividades de distribuição e comercialização.
- Separação contratual: obrigações e responsabilidades jurídicas de cada atividade.
5. Abertura do ACL para consumidores industriais e comerciais BT (a partir de 01/08/2026)
- Consumidores industriais e comerciais em baixa tensão poderão migrar para o Ambiente de Contratação Livre (ACL).
6. Abertura do ACL para demais consumidores BT (a partir de 01/12/2027)
- Consumidores residenciais e demais grupos BT terão direito a migrar para o ACL.
Análise dos Dispositivos Críticos
Abertura de Mercado para Baixa Tensão
- Estabelece cronograma legal para a abertura do ACL aos consumidores de baixa tensão (Grupo B).
- Oportunidades incluem maior competição e inovação, personalização de ofertas e incentivos à eficiência energética.
- Riscos envolvem dificuldades para consumidores entenderem ofertas, aumento de inadimplência e fraudes.
Criação do Supridor de Última Instância (SUI)
- Institucionaliza o SUI para garantir fornecimento em caso de falência, saída ou descredenciamento de comercializadores varejistas.
- Desafios incluem definição clara de critérios, minimização do risco moral e construção de processos interoperáveis.
Separação Contratual e Contábil entre Fio e Energia
- Até 01/07/2026, distribuidoras devem separar contabilmente custos e receitas e contratualmente as obrigações.
- Alinhamento com práticas internacionais de unbundling.
- Desafios incluem complexidade contábil e necessidade de transparência.
Novo Regime de Equiparação a Autoprodutor
- Define critérios mais rigorosos para equiparação.
- Impactos econômicos incluem redução de estruturas oportunistas e adaptação de modelos de negócios.
Redefinição e Limitação dos Subsídios Tarifários
- Descontos em TUSD/TUST passam a ser aplicáveis apenas a contratos registrados na CCEE até 31/12/2025.
- Impactos incluem redução de distorções econômicas e estímulo à precificação eficiente.
Impactos por Agente
A MP nº 1.300/2025 traz impactos diversos para os diferentes agentes do setor elétrico.
- Para os consumidores, haverá maior liberdade de escolha e uma necessidade crescente de educação sobre riscos e oportunidades associadas à migração para o mercado livre.
- As distribuidoras, por sua vez, serão obrigadas a separar suas atividades de comercialização e distribuição, além de poderem atuar como Supridor de Última Instância, assumindo um novo papel no mercado.
- As comercializadoras e varejistas precisarão se preparar para atender um novo perfil de consumidores, especialmente no segmento de baixa tensão, o que exigirá adaptações tecnológicas e estratégicas.
- A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) terá um papel central no monitoramento e operacionalização dos processos de migração e na gestão do SUI, ampliando sua responsabilidade no novo contexto de mercado.
- O governo, através da ANEEL e do MME, será responsável por regulamentar aspectos críticos da MP e garantir a proteção dos consumidores, além de coordenar a implementação das novas regras.
- Já os operadores de infraestrutura enfrentarão o desafio de modernizar os sistemas de medição e integrar plataformas digitais, essenciais para suportar um mercado mais dinâmico e orientado pelo consumidor.
Pontos Positivos e Negativos
A MP nº 1.300/2025 oferece uma série de benefícios significativos, ao mesmo tempo em que impõe desafios relevantes para o setor elétrico. Entre os aspectos positivos, destaca-se a abertura total do mercado, que fomentará maior concorrência e inovação, proporcionando aos consumidores mais opções e liberdade de escolha. Esse movimento também impulsionará a digitalização do setor, com o desenvolvimento de novas tecnologias e plataformas que aprimorarão a gestão e a experiência do cliente.
Por outro lado, há pontos que requerem atenção. A transição para o mercado livre apresenta riscos para pequenos consumidores, que podem enfrentar dificuldades para compreender as novas dinâmicas de contratação e tarifação. Além disso, o fim dos subsídios pode impactar a viabilidade de projetos renováveis, exigindo ajustes e novas estratégias por parte dos investidores. A necessidade de investimentos significativos em infraestrutura, tecnologia e capacitação também representa um desafio importante para todos os agentes envolvidos.
Desafios Tecnológicos e Operacionais
A implementação da MP nº 1.300/2025 traz consigo uma série de desafios tecnológicos e operacionais que precisarão ser endereçados de forma estruturada pelos agentes do setor.
- A necessidade de infraestrutura de medidores inteligentes é um dos pilares para garantir a precisão na medição de consumo e habilitar modelos tarifários mais dinâmicos.
- A integração dos sistemas com a CCEE será fundamental para assegurar a rastreabilidade e a interoperabilidade dos dados de consumo e contratos.
- Investimentos em segurança cibernética tornar-se-ão imprescindíveis, uma vez que o aumento da digitalização e da troca de informações sensíveis entre os agentes ampliam a superfície de risco para ataques cibernéticos.
- A adoção do Open Energy (entenda mais) e a garantia da interoperabilidade de dados entre plataformas serão essenciais para viabilizar um ambiente de mercado mais competitivo e transparente.
- Tecnologias de gestão dos dados de consumo dos consumidores de energia serão fundamentais para viabilizar uma gestão do cliente mais próxima, permitindo a oferta de produtos personalizados e conectados às necessidades individuais.
Nesse contexto, plataformas digitais de gestão do cliente desempenharão um papel central ao proporcionar uma experiência fluida ao consumidor, com acesso facilitado a informações de consumo, contratação de energia e comparação de ofertas.
Recomendações
Para garantir uma transição bem-sucedida para o novo modelo de mercado promovido pela MP nº 1.300/2025, é essencial adotar um conjunto de recomendações estratégicas.
Em primeiro lugar, é fundamental garantir uma transição regulatória segura, com regras claras e estabilidade para todos os agentes. Investir em educação, tecnologia e canais digitais é outro aspecto crucial, visando preparar tanto os consumidores quanto os agentes de mercado para as novas dinâmicas.
É também imprescindível reforçar a atuação da ANEEL e da CCEE, assegurando uma supervisão eficaz e a resolução tempestiva de eventuais conflitos. A adaptação dos sistemas e modelos de negócio deverá ser conduzida com agilidade, permitindo que as empresas respondam às novas demandas do mercado. Por fim, estimular o desenvolvimento de plataformas de comercialização acessíveis contribuirá para ampliar a participação dos consumidores e fortalecer a concorrência.
Cenários Futuros e Tendências Pós-2027
O cenário futuro do setor elétrico após 2027 promete ser cada vez mais dinâmico e digital. A consolidação de um mercado de energia mais aberto fomentará a inovação e a eficiência, beneficiando os consumidores com ofertas mais diversificadas e competitivas. O papel do consumidor tende a se fortalecer, transformando-o em um agente ativo na gestão de seu consumo e na escolha de fornecedores. Comercialização varejista abrirá novas oportunidades para modelos de negócio inovadores, baseados em comunidades energéticas e soluções peer-to-peer. Por outro lado, a regulação precisará evoluir de forma contínua para acompanhar o ritmo da inovação tecnológica e garantir um ambiente de mercado justo e transparente.
A abertura de mercado promovida pela MP nº 1.300/2025 é uma oportunidade histórica para modernizar o setor elétrico brasileiro. Sua implementação exige regulamentação robusta, governança digital madura e protagonismo dos agentes. A capacidade de automatizar fluxos, integrar sistemas e oferecer inteligência regulatória em tempo real será um diferencial competitivo. Tecnologias de telemedição e plataformas digitais de gestão do cliente terão papel estratégico nesse novo cenário, habilitando um mercado mais transparente, eficiente e centrado no consumidor. A coordenação entre governo, reguladores, agentes de mercado e consumidores será fundamental para garantir uma transição bem-sucedida.